Literatura de Cordel:
Bandalheira


Autores: José Gomes e Cuíca de Santo Amaro
Foto : Cartunista Lan

Muita gente ignora
Que o célebre Carnaval
É na realidade
Uma festa imoral
Ainda há quem diga
Que rei Momo é o maioral

Esta festa pagã
Que é ela… o Carnaval
Dizem que há séculos
Ela é anti-papal
O clero é quem afirma
Que a festa é infernal

Por exemplo… o Carnaval
Neste século… vinte
Com toda a sua pompa
Com todo o seu requinte
Nos dias dos folguedos
Nós vemos o seguinte

Os veados que enveredam
Pela nossa capital
Saem das suas tocas
Num mexe, mexe, infernal
Fazem as suas misérias
Nos dias do Carnaval



Estes bichos nestes dias
Fazem grande piega
Em todo Sputenique
Todo ele se esfrega
Quem gosta destes bichos
Nos três dias lava a jega

As mulheres prostitutas
Se sentem à vontade
Andam misturadas
Com as da alta sociedade
Por ordem de rei Momo
Sua grande majestade

As donzelas nestes dias
Muitas delas vão à rua
Com uma tanguinha
Ou por outra… quasi nua
Prestando bem atenção
Se vê o sol e a lua

Os homens mudam de sexo
Quando saem mascarado
Seja ele solteiro
Ou seja ele casado
Vestido de mulher?
Parece até com veado

As mulheres vestem calça
E fazem o seu tremelique
Para os desentendidos
É preciso que eu explique
Elas para serem homem
Só falta o Sputenique

E muitas outras coisas
Nós vemos no Carnaval
Muita falta de vergonha
Muita falta de moral
Muita descaração
Nas ruas da capital

No meio dos apertuchos
Isto ninguém pode negar
Atrás do trio elétrico
Todo mundo a pular
Vão os aproveitadores
Tratando de se esfregar

Outros menos escrupulosos
No meio de tanta gente
Vão apalpando
De leve! suavemente
Algum bicho variado
Que lhe surja pela frente

E assim no Carnaval
Onde se alegra a moçada
Muita moça donzela
Muita senhora casada
No meio da confusão
Sempre é apalpada

E assim é o Carnaval
Três dias de bandalheira
Três dias de orgia
Três dias de mulequeira
Três dias de pandemônio
Três dias de bebedeira

Eu como observador
Vou contar aos meus prezados
O que se passa
Nos recantos privados
Nos dias de Carnaval
E o que fazem os tarados

Os castelos da cidade
Têm grande movimento
Casais e mais casais
Entram a todo momento
Precisa se fazer fila
Porque não dão vencimento

São nestas casas suspeitas
Que vai muita beldade
Vender por miçanga
A sua virgindade
Por ordem de rei Momo
Sua grande majestade

Depois o rei Momo
Que é o maioral
Deixa muita donzela
Depois do Carnaval
Digo… sem os três
Nas ruas da capital

Não é somente a donzela
Que cai no sustenido
Muita mulher casada
Como é caso sabido
Nos dias de Carnaval
Bota chifre no marido

Por exemplo… em bailes
Da alta sociedade
Nos dias do Carnaval
É uma calamidade
Nos de segunda classe
Sai muita imoralidade

Muitas vezes em bailes
Se vê a qualquer hora
Muita donzela granfina
Como ninguém ignora
Na hora do vamos vamos
Com seus peitinhos de fora

Também se vê em bailes
Como diz o Fidélis
Muitos homens casados
Que já quebrou as colheres
No auge da bebedeira
Trocar as suas mulheres

Também se vê nas ruas
Muita moça se divertindo
Somente com uma tanga
O seu biscoito cobrindo
Também se vê aos lados
Os cabelinhos saindo

É porque no Carnaval
Muitas delas perdem a calma
Saem nuas para as ruas
Como confessa o Djalma
E se entregam! se entregam!
Se entregam de corpo e alma

Na praça da Sé
Ficam eles… os tarados
Com as suas taradas
Ficam eles misturados
E lá para o terreiro
Uma porção de veados

Nunca houve na Bíblia
Nem nos tempos de outrora
Tanto! tanto veado!
Como tem agora
Muitos no Carnaval
Se vestem de senhora

Parece até
Que é uma epidemia
Tanto, veado
Aqui dentro da Bahia
Soltos no Carnaval
Fazendo a sua folia

Na quarta-feira de cinza
Rei Momo deixa a cidade
Deixando muito veado
Morto de saudade
E muita donzela chorando
A sua virgindade

Então Rei Momo sorrindo
De tudo que aconteceu
Diz zombeteiramente
Quem perdeu? perdeu
Quem deu, foi porque quis
Me diga qual é o meu

Eu da minha parte
Não tenho pena de ninguém
Quero que o povo gaste
O seu último vintém
Vocês que estão campados
Até pro ano que vem

Depois de tanta orgia
Começa os trouxas a pensar
Gastou aquilo
Que não podia gastar
Muitos dão vontade
De se suicidar

É o que acontece
Depois do Carnaval
Se perde a compostura
A vergonha e a moral
A honra o critério
Numa festa infernal


(LESSA, Orígenes; SILVA, Vera Lúcia de Luna e. O cordel e os desmantelos do mundo)