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Bastidores da Folia | |
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Só que Zé Espinguela foi diplomático: apareceu com três troféus e distribuiu os outros dois como prêmios de consolação. Assim foi inaugurada a disputa entre as escolas.
Em 1932 houve o primeiro desfile patrocinado, promovido pelo jornal O Mundo Esportivo, de Newton Rodrigues, irmão do teatrólogo Nelson. No ano seguinte, era vez de O Globo, o Touring Club e a prefeitura do Distrito Federal instituírem um concurso. Foi quando as escolas ficaram obrigadas a manter a ala das baianas e a bateria. Em 1935, já havia dezenove escolas. “Naquele tempo, era um sambinha de quatro linhas e o resto ia de improviso”, contou à SUPER Cláudio Bernardo da Costa, o Cláudio da Portela, sócio-fundador da escola. Só em 1946 é que o samba-enredo se estabeleceu de verdade, com a estréia do compositor Silas de Oliveira na Império Serrano. Até 1930 o próprio samba era um gênero indefinido: a classificação valia tanto para o maxixe como para variações da polca e do chorinho, que podiam ser ótimos no salão, mas eram ruins para se dançar ao longo da rua. Como a batucada permitia fabulosos improvisos de dança, o desfile das escolas acabou se tornando o favorito do público.
COMO BATE O CORAÇÃO DA ESCOLA A bateria da escola de samba é uma imensa orquestra montada só com instrumentos de percussão. Cada músico tem seu lugar para que o som saia equilibrado. O número de componentes, o tipo de instrumento e o posicionamento de cada batuqueiro depende do estilo da agremiação. Mas, basicamente, o conjunto é formado por duas fileiras de surdos de marcação nas laterais, filas de cuícas e metais (como o reco-reco e o agogô) à frente, um enorme naipe de tamborins logo atrás, um miolo de vários tipos de surdos centralizadores e, ao final, mais metais . Tida como a “alma da escola”, a bateria se transformou num modelo para exportação. A Gope, fábrica paulista de instrumentos de percussão, vende até para o Oriente. “É uma cultura que viaja em bloco”, diz Humberto Henrique Rodella, o proprietário. “Quando os japoneses levaram o nosso futebol, fizeram o pacote completo, com o carnaval e a escola de samba”. Os integrantes passaram dos 20 do princípio para até 400 hoje em dia. E sempre há mais candidatos a ritmistas. “Os novatos podem vir ensaiar, mas demora para alguém entrar numa bateria”, contou à SUPER Arnaldo Manoel de Jesus, o Mestre Mug, primeiro diretor de bateria da Portela. “Quem chega junto é porque é bom mesmo e gosta de bater. O ritmista não vê o carnaval, está concentrado, não se diverte. Às vezes, tira sangue da mão durante o desfile.” Mestre é o título que se dá ao primeiro diretor de bateria, o maestro da escola, auxiliado por outros quatro diretores que impõem disciplina. Na Portela, por exemplo, é proibido faltar aos seis meses de ensaios técnicos e beber demais antes do desfile. “A filosofia de uma bateria é muito simples: trabalhar em conjunto”, diz Mestre Mug. “O individualista não tem lugar aqui”. ORGANIZAÇÃO METICULOSA É O SEGREDO Desde 1935, quando as escolas de samba do Rio de Janeiro foram obrigadas a tirar alvará de funcionamento, sua organização interna se aperfeiçoou. Na época, Dulcídio Gonçalves, titular da Delegacia de Costumes e Diversões, colou um “grêmio recreativo” na frente do nome de cada uma delas. Toda agremiação deve ter um estatuto registrado em cartório e instalações mínimas, como quadra e barracão. A eleição do presidente se dá pelo voto direto da comunidade, mas o “regime de governo” é de cima para baixo, como a pirâmide hierárquica de uma empresa convencional (veja o infográfico acima). No Rio existem 44 escolas de samba. Para que as grandes não fossem voto vencido nas assembléias da Associação das Escolas de Samba, em 1984 nasceu a Liga Independente das Escolas de Samba, epicentro das 18 maiores. A entidade organiza e administra a festa na Passarela do Samba, o sambódromo da avenida Marquês de Sapucaí, na ponta do lápis. Ou melhor, na tela de vários computadores, como uma boa S/A. PARA SABER MAIS - Paulo da Portela, Traço de União entre Duas Culturas, Marília T. Barboza da Silva e Lygia Santos, Funarte, Rio de Janeiro, 1989. - As Escolas de Samba do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, Lumiar, Rio de Janeiro, 1996. - História do Carnaval Carioca, Eneida Moraes, Record, Rio de Janeiro, 1987. - Memória do Carnaval, Riotur-Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 1991. - Batucadas de Samba, Marcelo Salazar, Lumiar, Rio de Janeiro, 1991. - Silas de Oliveira, do Jongo ao Samba-enredo, Marília T. Barboza da Silva e Arthur L. de Oliveira Filho, Funarte, Rio de Janeiro, 1981. OS OITO AFLUENTES QUE DESAGUAM NA AVENIDA Festas da Roma antiga, costumes portugueses, clubes de sátira e comemorações militares, entre outras manifestações culturais, estão na origem das escolas. ARRASTANDO A SANDÁLIA NO RANCHO Os ranchos eram clubes da classe média baixa nos quais os sócios pagavam mensalidade, compravam instrumentos de corda e sopro e se organizavam para desfilar em fevereiro. O primeiro surgiu em 1872, o Dois de Ouro. Formados por homens e mulheres, as pastorinhas, arrastavam as sandálias na segunda-feira de Carnaval. GRANDES SOCIEDADES - UM LUXO SÓ Eram chamadas grandes sociedades as associações de jovens de alta classe que saíam em enormes carros alegóricos com mensagens políticas. A primeira foi o Congresso das Sumidades Carnavalescas, criada em 1855 por profissionais liberais e saudada pelo escritor José de Alencar. BOTAMDO O BLOCO NA RUA Em 1848, o sapateiro José Nogueira de Azevedo Paredes saiu batendo o bumbo que, tocado na horizontal, virou o surdo de hoje (veja na página 36). Quem quisesse, ia atrás. Assim se formaram os blocos, compostos apenas de homens. Ao redor de 1920 havia os “blocos de sujos”, dos “arruaceiros”, e os mais distintos. E O CORDÃO CADA VEZ AUMENTAVA MAIS Em 1886, os jornais chamaram de cordões os “grupos de foliões mascarados e provocadores”. Saíam fantasiados, satirizando personalidades. Um mestre com apito comandava tambores, cuíca e reco-reco. O cronista João do Rio viu no cordão sinais da antiga festa de Nossa Senhora do Rosário, na qual cortejos de negros saíam sacodindo chocalhos e entoando cânticos CAPOEIRA SEM BERIMBAU Desde 1570, quando chegaram ao Rio de Janeiro os primeiros escravos africanos, o culto religioso na senzala envolvia batuque e dança. Os terreiros de macumba do período pós-abolição, com mistura de candomblé e catolicismo, mantiveram os atabaques, as danças e a capoeira, que emprestou seus movimentos para o mestre-sala das atuais escolas. LA VAI PASSANDO A PROCISSÃO O ritual do desfile vem da Antigüidade, quando os exércitos exibiam suas prendas de guerra de volta à cidade-base. A solenidade impregnou a religião católica. No Brasil, em 1549, o padre Manuel da Nóbrega registrou a primeira procissão enfeitada de Corpus Christi. Foi das procissões que saíram as baianas, escravas enfeitadas. A BAIXARIA DO ENTRUDO VIROU CONFETE Na Roma antiga, os lupercos, sacerdotes de Pã, saíam dia 15 de fevereiro só com sangue de cabra sobre o corpo, perseguindo as pessoas na rua. No Brasil, os portugueses faziam uma guerra de baldes d’água e lixo chamada entrudo, sem dança ou música. No começo do século, a “molhança” foi substituída por confete, serpentina e lança-perfume. O DESFILE CHAPA BRANCA ACABOU NO CORSO A moda do corso, um desfile motorizado, foi lançada no dia 1º de fevereiro de 1907, quando o carro das filhas do presidente da República, Afonso Pena, percorreu a avenida Central (atual Rio Branco), no Rio de Janeiro de ponta a ponta, antes que elas subissem ao prédio da Comissão Fiscal das Obras do Porto para assitir à folia. A ARMAÇÃO PRIMITIVA Nos anos 30, os sambas não tinham segunda parte: os “versadores” improvisavam depois que os puxadores entoavam um refrão de quatro linhas. À frente, uma tabuleta com o nome da escola pedia passagem, seguida da “linha de frente”, só de moças. Logo depois, vinha o primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira. Sob um caramanchão, desfilava a alta direção da escola. Uma linha de pessoas fantasiadas sambava em torno do grupo principal. No final, uma pequena bateria. Na lateral, homens vestidos de baiana protegiam a escola da multidão segurando uma corda e usando canivetes amarrados nos tornozelos. VEJA COMO CADA PEÇA ENTRA NA ENGRENAGEM Para que cerca de 4 000 pessoas consigam desfilar e cantar em uníssono ao longo de 700 metros, há um diretor de harmonia trabalhando com mais de trinta assistentes que o ajudam a manter o ritmo. Ele é a autoridade máxima na avenida. Pode expulsar até o presidente da escola, se ele estiver atrapalhando. Ô, ABRE-ALAS O carro abre-alas (cujo nome se inspirou no aviso à multidão para a passagem dos antigos blocos carnavalescos e virou marchinha de Chiquinha Gonzaga) é obrigatório na cota mínima do regulamento: é preciso trazer seis carros alegóricos. Deve levar o nome e o símbolo da escola, apresentando o tema do enredo ao público. OLHA A ESCOLA AÍ, GENTE! A comissão de frente surgiu nas grandes sociedades, que traziam rapazes vestidos a rigor, montados a cavalo, saudando o público diante do carro alegórico. A Portela, nos anos 30, adaptou a idéia para a escola de samba levando só moças na linha de frente. Hoje, é de praxe mostrar criatividade logo de cara. Então, vale tudo. VAI QUEM QUER As alas são grupos que têm de cinqüenta a 100 pessoas, todas com a mesma fantasia, pela qual o folião paga até 400 reais. Ficam sob o comando de um presidente. Esse, por sua vez, responde ao presidente dos presidentes de alas, um intermediário entre a escola e os grupos que, muitas vezes, são recheados de turistas. CASAL MARAVILHA O baliza e a porta-estandarte nasceram nos ranchos dos anos 20. A Mangueira transportou o casal para a escola de samba, transformando-os em mestre-sala, ou mestre de cerimônia, e porta-bandeira (mais informações na página 38). Uma escola geralmente tem o primeiro e o segundo casal, além de uma dupla mirim. O PÉ QUE FALA A diferença entre uma passista e uma garota que apenas rebola é que a primeira tem que “dizer o samba no pé”. Significa que ela precisa demonstrar não só graça e sensualidade, mas harmonia com as nuances do samba-enredo. Os passos são totalmente improvisados, assim como o malabarismo dos passistas masculinos. BUMBUM PATICUMBUM A bateria pode ter até 400 ritmistas (veja na página seguinte). Depois de percorrer uns 300 metros da avenida, quase metade do desfile, todo o conjunto se recolhe para um recuo chamado boxe. Voltam a desfilar quando se aproximam as últimas alas. FALSAS BAIANAS? Costuma-se dizer que a mulher começa a atuar na escola como passista, eventualmente se torna porta-bandeira e depois se instala na ala das baianas. Formado por um mínimo de 100 componentes acima dos 45 anos, é um grupo obrigatório pelo regulamento. Hoje, até drag queens pagam para sair entre elas. FORÇA DO GOGÓ O puxador do samba-enredo ganhou o nome nos anos 30, quando o cantor entoava uma quadrinha para estimular o improviso do “versador”. Hoje, é um artista profissional, cercado por um ou dois cantores de reforço, um cavaquinho e um violão. Em geral desfila no chão, junto ao carro de som, microfone em punho. HISTÓRIA VIVA A velha guarda (definição que surgiu nos anos 60, parodiando o movimento da Jovem Guarda) representa a memória do samba em carne e osso. É composta de fundadores, primeiros sócios, compositores e componentes históricos que se mantêm ligados à agremiação. Fecham o desfile para lembrar ao público que a escola tem passado. GRÊMIO RECREATIVO DO FUTURO Quase toda escola grande tem uma ala de crianças, sambistas que vêm de berço: algumas começam a ensaiar aos 2 anos de idade. São filhos da comunidade (região ou bairro) ligada à escola e aprendem desde cedo as tradições, características e linha de trabalho da agremiação. MIRAGEM NA AVENIDA Nos anos 50, quando os artistas da Escola de Belas Artes ensinaram os artesãos a trabalhar com proporção, os carros alegóricos cresceram – hoje, chegam a 9,5 metros de altura. A sustentação é um chassi de caminhão sobre pneus de avião, menores e capazes de suportar mais peso que os de automóvel. DO QUE DEPENDE A VITÓRIA No Rio de Janeiro, cinqüenta jurados dão notas de 1 a 10 a quesitos com pesos iguais. Aqui, estão numerados pela ordem de prioridade para o desempate. TEMPO A escola deve passar em no mínimo 65 minutos e, no máximo, 80. Cada 5 minutos de atraso sobre o prazo máximo tiram um ponto da nota final.
Reportagem "Desfiles e Batucada: A Máquina do Samba" por Rosangela Petta | |||||
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