RETRATO DA BAHIA
Ainda sob o sol das três horas da tarde, a Bahia nos aparece. Casas e igrejas trepadas umas por cima das outras – dir-se-ia uma multidão a espremer-se diante de um fotógrafo.
Nenhuma igreja, nenhuma casa quer deixar de aparecer. Ao longo da cidade o verde da água do mar todo se sarapinta de amarelo dos botes cheios de laranja madura.
A cidade-mãe, a cidade-ama-de-leite das cidades do Brasil, é ainda uma cidade de sugestões de fecundidade. Cidade gorda, de gordos de gordas igrejas, de casas gordas. Cidade de montes que se empinam como ventres de mulher no sétimo mês de gravidez. E como a prometerem dar outras cidades ao Brasil.
Cidade de contrastes deliciosamente grotescos, esta de Salvador
Por entre o casario irregular, todo de reminiscências portuguesas, o asfalto se estira branco e alvo e novo como uma dentadura postiça em boca de velha.
Pelo ventre empinado das ladeiras, feito para o andar penitente das alpercatas de frades.
Às esquinas, pretalhonas imensas, das que a gente imagina desaparecidas do Brasil, escancaram o x dos seus tabuleiros de angu, mingau, beiju, manga, laranja.
Cá fora as primeiras luzes da noite. Os vultos das gordas igrejas da velha cidade arredondada pela incansável fecundidade tropical, começam a parecer maiores.
Tarde na Bahia, eterno retrato !
TEXTO : Gilberto Freyre
Bahia e Baianos - Fundação das Artes EGBA - 1990