AGUARDE DOWNLOAD DE IMAGEM ...






GRIFE ACARAJÉ


Quem colocou grife no acarajé ?
Trilhando por esse hipertexto que é a cidade de Salvador, nos deparamos com uma estratégia de visibilidade dos tabuleiros das baianas de acarajé: o de Dinha, no Rio Vermelho, o de Cira, em Itapuã, o “da” Regina, na Graça, o Point do Aracajé, no Canela, além de alguns sites na Internet, com suas home pages expondo, virtualmente, uma iguaria a ser degustada. O que eles têm em comum, além da pimenta, do feijão fradinho e do azeite-de-dendê? Poderíamos arriscar: uma grife que renova o prestígio desse prato da chamada culinária baiana, reinando como signo de identidade local, desse cadinho do Ocidente que é “promessa de felicidade”, curtição e desejos – a Bahia.
Esses sites oferecem um produto local nem sempre “autêntico”, preparado comme il faut, haja vista o aracajé na sua versão “zen”, feito com soja, composição que traça, imaginariamente, uma ponte com o Oriente.


Tais endereços se elegem “dignos” de representar a terra, como é o caso da baiana Dinha, com seu tabuleiro móvel instalado em eventos locais (muitos dos quais produções da alta cultura) ou sendo transportado por vôos nacionais da Varig, disseminando a baianidade.

A grife impressa no tabuleiro de algumas “baianas” constitui-se em marca distintiva reveladora da necessidade de se rearticular símbolos identitários de culturas locais em época de economia e informação globalizadas. Neste contexto, as “monoidentidades” perdem a sua solidez, se esgarçam no contato com outras culturas, e o conceito de nação passa a se definir menos por seus limites territoriais e mais como uma “comunidade hermenêutica de consumidores.

Essa reconfiguração assegura a sobrevivência de hábitos tradicionais nas redes do capitalismo transnacional, os quais se estendem por vastos territórios, tornando difusas as antigas e convencionais fronteiras. E aqui navega o nosso (?) acarajé no azeite-de-dendê e na Internet, se não para competir, pelo menos para conviver com a McDonald’s, por exemplo, artifício que reflete a lógica do mercado, que impõe ao local outras práticas de negociação e conexão com o global.

Distante está o tempo em que a “preta” perambulava pelas ruas da velha Bahia, vendendo o acarajé para cumprir, exclusivamente, um ritual do candomblé. Mas não está distante o anonimato de muitas baianas, mercando o seu produto nas esquinas da cidade, ausentes das altas esferas do poder, quadro que revela o cruzamento de tempos históricos em seus tabuleiros. “Apagado” encontra-se o tempo que diz das condições de emergência das práticas culinárias dos negros escravizados, dessa subalternidade imposta pelo colonizador em sua fé cega para dominar o Outro, subordiná-lo ao eurocentrismo.

Mas quem teria apagado esse tempo? Um povo sem memória? Diríamos que um desejo: de se construir uma identidade para o Brasil – relato homogeneizador tecido pelas elites do país, que costuram um texto escondendo suas nervuras e seus nós, para finalmente naturalizá-lo como a pele colada ao corpo. As narrativas de identidade essencialistas, ao elaborarem um modelo de nação, buscam uma coesão social e, para tanto, apagam-se os conflitos interétnicos e os microrrelatos, discursos de resistência à dominação branca.

Essas narrativas criam “truques” que tornam os indivíduos de diferentes raças e classes sociais protagonistas de uma mesma história e os fazem se perceberem como pertencentes a uma mesma comunidade nacional: “acima de tudo, brasileiros”.Expostos se encontram hoje a trama, dobras e alinhavos desse texto. Seus fios se romperam quando as culturas identitárias retraçaram formas de pertencimento, tornando-as mais fluidas, provando que o discurso homogeneizador não consegue excluir, apesar do esforço, o diálogo com sistemas culturais e simbólicos diferentes.

Sim, ainda tem acarajé no tabuleiro: ao sabor do freguês e do mercado. Voilà, um hot-link! Bota mais pimenta, baiana!


Versos : Márcia Rios in Jornal A Tarde
( A preta do acarajé de Dorival Caymmi)


br>Home  |   Carnaval Folia Eclética  |   Temas Carnaval  |   Máscaras  |   Trio Elétrico