MÚSICA BAIANA ATUAL, CORAGEM PRA SUPORTAR

Do interior da Bahia saíram muitos dos nossos melhores compositores durante todo o processo de fortalecimento e amadurecimento de nossa canção. Mesmo sabendo que esses talentos tinham na capital do Estado o destino definitivo a fim de conquistarem um maior espaço na divulgação de suas músicas, eles sempre se mantinham fieis às suas tradições interioranas, afinal foram em sua terra natal que as primeiras influencias surgiram, além é claro de terem sido criados observando suas tradições locais. Isso forma uma tendência que se carrega por toda uma vida, e ela torna-se plural à medida que outras influencias vão se juntando, mas sempre brotando da mente do artista o sentimento primário de amor às suas origens, já que é algo muito natural, espontâneo e revela a autenticidade de uma obra, bem como sua característica mais profunda. É isso que o torna respeitado e admirado pelo público que o recebe de braços abertos dando-lhe boas vindas ao universo cultural e artístico onde passará a habitar de forma definitiva.

Ao passo que o reconhecimento vai crescendo, cresce também a responsabilidade pela qualidade e fidelidade de seu objeto maior que é o entretenimento permanecendo fiel ao seu chão sem deixar-se seduzir pelas ofertas de mercantilização de sua obra, que sempre a descaracterizam, e o levam a uma conta bancária robusta mas o destrói como ser e artista, deixando frustrado seu verdadeiro público em troca de outro que não o reconhece, apenas paga, momentaneamente por meros momentos de prazer fabricados. O compositor autêntico ele não se deixa levar por essas artimanhas, mesmo porque ele já chegou a um ponto de amadurecimento e compromisso consigo mesmo que o impede a tal violação. Infelizmente essa que deveria ser uma regra nos dias de hoje configura-se quase como uma exceção. É certo que tudo na vida é cíclico, e com certeza quando tivermos tomado consciência da responsabilidade sócio/educativa da música popular estas tendências nefastas irão paulatinamente desaparecer e voltaremos ao tempo em que nos orgulhávamos em dizer o quanto era importante para nossas vidas ter uma referencia musical autentica fincando nossos sentimentos em raízes profundas sem perder a nossa identidade cultural, elemento vital para nos posicionarmos na sociedade da qual fazemos parte.

Se acharmos que tais afirmações podem ser consideradas como utopias, é bem verdade também que ao olharmos em derredor veremos que nem tudo esta perdido, afinal, ainda somos um povo resistente, e essa resistência é que nos faz sentirmo-nos fortes o suficiente para percebermos a nossa volta que há muito que fazer, não deixando para trás nosso compromisso maior com a verdade, com aquilo que acreditamos e achamos justo. Não é que chegaríamos ao extremo se sermos os donos da verdade, seria muita pretensão, mas pelo menos o uso racional do bom senso nos faz permitir uma reflexão cada vez maior sobre o nosso futuro como cidadãos e de que forma devemos conduzir o processo de conscientização popular para que nosso país não seja atacado por uma onda de alienação cultural que destrói toda e qualquer possibilidade de reflexão e discernimento acerca de questões como nacionalidade e tradição, vergando a bandeira verde amarela com fervor, mas sem posicionamento piegas.

O que vemos hoje em dia é estarrecedor, perdemos o sentido de ridículo e vemos crescer assustadoramente uma forma de canção, que apesar de ser popular, esta longe de ser verdadeiramente popular e instrutiva, ela é apenas sutil na sua embriaguez momentânea, como uma droga que se aplica a alguém proporcionando poucos minutos de prazer e depois longas horas de depressão e dependência.

A música popular brasileira sempre foi um dos maiores esteios de nossa atividade cultural, e um dos Estados da federação que mais contribuíram para que isso acontecesse foi a Bahia, revelando ao longo de sua história nomes que deixaram um legado extraordinário, e outros que, se não ultrapassaram as fronteiras do Estado, contribuíram de forma decisiva para o que podemos chamar de verdadeira música baiana, aquela que nos deu a respeitabilidade que desfrutamos hoje. Infelizmente de uns anos para cá parece que fomos assaltados de uma amnésia criativa que espero seja temporária onde todos esses valores foram deixados de lado, relegou-se o passado, e se debruçou sobre um presente, que já denota um futuro muito obscuro. De que adianta uma grande mídia, um espetáculo de luzes e esplendor se tudo não passa de meros momentos de frugalidade, onde o que reina na verdade é o lado financeiro? Se verificarmos as letras das canções feitas na Bahia nos últimos tempos, podemos ate afirmar que chegamos ao fundo do poço, e os exemplos estão todos aí inundando os lares e sendo executados a exaustão pelas rádios que também se entregaram definitivamente ao mercantilismo barato e antimusical.

Mas nem tudo esta perdido, ainda possuímos alguns guetos de resistência e eles estão aos poucos tomando um espaço cada vez maior, mostrando que estão cansados de serem espoliados e assumindo a verdadeira bandeira de uma tendência que cresce a cada dia, a dos artistas engajados em propor novas idéias, novas sonoridades ou retomando tradições esquecidas para fazer valer o seu passado de glória, numa contemporaneidade também gloriosa, sem dependências, sem favores, mas com profissionalismo e responsabilidade social.

A história musical de nossa terra é profundamente fincada em raízes sólidas, demos grandes frutos, eles amadureceram e se transformaram nesse caldeirão que é a cultura baiana, reverenciada por todos os povos que nos visitam. Mas algumas sombras vem se abatendo, e como aves daninhas pensam que irão expor ao ridículo toda uma trajetória secular provada e aprovada.

Pode parecer que estas breves linhas estejam um pouco melancólicas ou descrentes, ledo engano, a verdade pode parecer diferente para alguns, pensamentos podem e devem ser antagônicos em vários aspectos, mas em essência, verificamos que no final a razão e o bom senso prevalecem.

Retomemos a linha evolutiva de nossa música popular, isso não é nenhum chavão dos anos 70, é apenas a mais coerente forma de representar um sentimento que esta preso na garganta de todos nós, mesmo aqueles que não se posicionam mas que sentem a profundidade do problema. Os tempos são chegados, não podemos mais esperar, a história nos cobra uma tomada de posição, e temos que ter coragem para enfrentarmos os obstáculos e sermos também julgados, pelo menos assim não cometeremos o erro da omissão.

Não é discurso, nem tão pouco panfletagem é simplesmente o dever que me sinto obrigado a ter (com muito prazer) de poder dizer o que penso sobre o atual estado de coisas da música baiana. Se amanhã essas palavras de nada servirem, resta para mim o consolo de não ter-me esquivado da minha responsabilidade de cidadão e amante da arte maior de minha terra. Deixo que o tempo se encarregue de me julgar, inocentando-me ou condenando-me, pouco importa, pois o que vale mesmo, é sentir a doce melodia de uma linda canção e o renascimento de um tempo em que se ouvia com prazer música na Bahia. Texto : Luiz Américo Lisboa Junior, Itabuna/BA, 14.04.2003



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