Aguardado com grande expectativa, o desfile comemorativo dos 20 anos do Ara Ketu, no Campo Grande, consolidou o estilo afro-pop que o bloco adotou em 1994. Para além do embate que cerca esta decisão do bloco que nasceu em Periperi, os mais três mil foliões que curtiram o som, ainda diferente, da banda comanda por Tatau demonstravam uma animação singular. Na realidade, a diversidade estilística provocada pela mistura de olhos verdes com peles negras, tranças e penteados exóticos e cabelos louros é o grande diferencial do Ara Ketu, que entrou na Avenida com o tema "500 anos de Brasil, mas nós chegamos depois".
Prova desta fusão, que se destaca frente a pasteurização juvenil dos grandes blocos de Salvador, foram as evoluções que abriram o desfile oficial da entidade. Fumaça vermelha, lilás, azul, amarela e verde, projetada na frente da ala de dança, chamava atenção do público para o grupo, que tinha como convidada especial a vocalista da Banda Eva Emanuele Araújo. Mesmo sem apresentar o encanto e a precisão dos passos das dançarinas e "rainhas dos bloco afros", a menina roubou a cena, fazendo a festa dos fotógrafos. Mais a frente, outra ala formada por participantes das oficinas que o bloco mantém no subúrbio de Salvador, segurava o símbolo do bloco, o Ofá, feito com balões azuis. Erguendo cartazes de papelão, três "pernas-de-pau", também demonstravam os vários designes que foram dados ao Ofá teve nos 20 anos do Ara.
Em cima do trio, o primeiro vocalista da Banda Ara Ketu, Dado Brazawilly, entoava o hit África.
A história segue com a presença do ex-vocalista Paulinho, até Tatau assumir definitivamente o controle.É neste momento que o folião percebe a mudança pela qual passou a entidade. Ao invés da batida percussiva considerada puramente afro, a banda detona hits eletrizantes como Fanfarra e Pipoca para delírio de um público que esperou mais de quatro horas para ter acesso ao palco principal do circuito Osmar Macedo. Não faltou também uma homenagem aos 50 anos do trio-elétrico, nem a execução do Agachadinho de Harmonia do Samba. A apresentação durou 30 minutos no sábado. No domingo, o bloco voltou mais cedo para a Avenida, por volta das 20h, e na terça-feira o bloco passou pelo circuito Barra-Ondina fantasiado de índio estilizado.
Gafe no espetáculo das luzes
Quem esperou o espetáculo de luzes prometido pelo Ara Ketu no Campo Grande se decepcionou. A Citéluz, empresa que patrocinou o bloco e programou a iluminação especial, esqueceu de calcular que o principal ponto da festa do circuito Osmar Macedo era suficientemente iluminado para permitir destaque a fachos de luz colorida e projeções de formas e da marca do bloco.
Somente aqueles que seguiram o Ara Ketu pelas Mercês, Avenida Sete e Carlos Gomes puderam contemplar a iluminação especial. Os grandes edifícios do centro de Salvador viraram realmente pano de fundo para a exibição das cores. O Mosteiro de São Bento, por sua vez, teve seus contornos realçados. A Citéluz fez um trabalho de iluminação das obras da Praça da Sé, Catedral Basílica e Igreja do Bonfim, além da Igreja da Nossa Senhora da Purificação em Santo Amaro. A parceria com o Ara Ketu foi estratégia para ampliar a penetração da empresa no mercado nacional.
Nascido no subúrbio
Nascido no subúrbio ferroviário em 8 de março de 1980, o Ara Ketu foi o primeiro bloco afro a desfilar com tema e ala de dança na avenida. Esta inovação, que lhe rendeu o título de campeão de Carnaval, recebeu críticas mas foi gradativamente adotado por outras entidades. Vera Lacerda, uma das fundadoras do Ara Ketu, lembra que o fato de permitir a entrada de associados sem distinção de cor também foi um ponto decisivo para a conquista de novos espaços para o então bloco de Periperi.
Vera toma como outro ponto de inflexão na história do Ara Ketu a viagem que ela fez a África, em 1989. Fascinada pelo que viu, resolveu introduzir no bloco o ritmo afican-pop que, em síntese, é a união de características percussivas com novas tecnologia como instrumentos elétricos na banda. Era um momento de ruptura, já que até então não se admitia tal atitude. As críticas foram mais violentas e o público chegou a vaiar o bloco durante o desfile. Mas o momento mais difícil, recorda a toda poderosa do Ara Ketu, viria em 1993, quando a falta de patrocínio fez com que o bloco trocasse as ruas de Salvador por uma excursão à Europa.
O que parecia um castigo, entretanto, abriu novos horizontes para bloco e banda. "Isto acabou sendo um bom sinal porque as pessoas passaram a sentir nossa falta". Em 1994, já reabilitado, com a banda comandado por Tatau estourada com o hit "Ara Ketu Bom Demais", a entidade se renovou, firmando-se no cenário carnavalesco baiano.
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