o disco pop em que Margareth Menezes vai além do calor elétrico dos trios
Relato de Mauro Ferreira (EMI)

   

Quem ouve sem preconceito a música afro-pop baiana - popularmente conhecida e rotulada como "axé music" - sabe que Margareth Menezes é a voz mais poderosa daquele terreiro de sons miscigenados e carnavalescos. No comando dos Mascarados, a agremiação mais hype de Salvador (BA), Maga, como é chamada pelos amigos, bota o bloco literalmente na rua e faz a festa com seu vozeirão caloroso que, já em fins dos anos 80, encantou David Byrne e foi propagado em escala mundial. Mapa múndi à parte, Margareth Menezes sempre extrapolou fronteiras e universos musicais como intérprete e compositora.
Pra Você - sétimo disco de estúdio da cantora, o nono na sua discografia (houve dois títulos ao vivo consecutivos em 2003 e 2004) e o primeiro álbum na EMI - é o CD que mais bem explicita a abertura do leque estético da artista. Gravado entre Salvador (BA), São Paulo (SP) e Rio de Janeiro (RJ), com produção de Moogie Canazio (além de produtor, um dos mais capacitados engenheiros de gravação do mundo), Pra Você harmoniza o batuque afro-baiano (Abanaê estourou na permanente folia de Salvador enquanto o disco ainda era gravado) com canções, sambas e reggae - tudo harmonizado pelo filtro pop de Canazio.
O primeiro destaque do CD nas rádios é Como Tu, versão de Cláudio Rabello do homônimo sucesso do cantor e compositor colombiano Carlos Vives. A faixa tem uma latinidade caliente que caiu muito bem nas vozes de Margareth e Ivete Sangalo. Sim, um dueto de divas. Em mais uma prova de que reina a paz entre as soberanas do terreiro baiano, as duas cantoras unem vozes e forças nesta faixa que conceitua com clareza o som que Margareth classifica de Afro Pop Brasileiro.
A interação entre timbres e sotaques é levada adiante pela faixa-título do CD, Pra Você. Trata-se de um samba que, a despeito de ser assinado por Saul Barbosa e Pierre Onasis, compositores associados ao pop baiano, tem suingue e sensualidade bem cariocas - além de incorporar na letra o 'uh tererê', o grito de guerra que incendeia estádios e bailes funks no Rio de Janeiro.
Em outro samba, Boléia Brasil, composto pela própria Margareth (autora também de outra faixa, Chame Ele), a artista parte da base carioca - com direito ao som de uma cuíca na introdução - para fazer viagem nacional em letra que relaciona todas as capitais e afaga o ego dos caminhoneiros. "É a minha homenagem ao meu povo e a todos os que trabalham levando e trazendo nossos víveres", explica Margareth no encarte no disco.
Em perímetro mais urbano, Maga guia sua Boléia Brasil em direção a uma das canções mais bonitas do compositor mineiro Vander Lee - com justiça hoje um dos autores mais gravados pelas cantoras. "Bares, ruas, estradas, desertos, luas / Que atravesso em noites nuas / Ôôô / Só me levam pra onde estar você", ruma a cantora com suavidade romântica em Contra o Tempo, faixa que é forte candidata a hit radiofônico.
A canção de Vander Lee é uma das duas surpreendentes regravações que sinalizam a intenção da artista de alargar o eixo estético de seu repertório fonográfico. A outra é Só Eu e Mais Ninguém, tirada do baú do primeiro e único disco do Tigres de Bengala, power grupo formado em 1993 por Vinicius Cantuária (autor da música), Ritchie, Dadi Carvalho e Cláudio Zoli, convidado de Margareth na faixa. Zoli toca guitarra e divide os versos da sensual composição com seu fraseado soul.
Com suingue, Maga ainda flerta com o reggae (Miragem na Esquina, de Tom Duque e Esquisito) e exala romantismo em Versos de Amor (Manuca Almeida e Alexandre Leão) e Mesmo Assim (Fernanda Noronha e Jair Luz).
No resumo da ópera afro-pop-brasileira, Pra Você é um disco que poderá até surpreender quem, no calor elétrico dos trios, nunca percebeu que a voz de Margareth Menezes era das mais afinadas e potentes da música brasileira. Para a imensa maioria que bota o bloco na rua ao som dos incendiários hits da artista, o disco apenas ratifica o talento de uma artista pop. Afro. Brasileira.


Fonte : Emi Music / Mauro Ferreira - Setembro 2005


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