Pola Ribeiro imerge no universo religioso afro-baiano para realizar `Jardim das folhas sagradas´: `Não opino, pois não tenho autoridade para isso´
Há muitos documentários sobre o candomblé e até obras de ficção que de alguma maneira tangenciam o tema. No entanto, quando Jardim das folhas sagradas, o primeiro e aguardado longa do cineasta Pola Ribeiro, ficar pronto, a religião poderá ter um registro visual com nova abordagem. O filme, a partir da dicotomia tradição x modernidade, vai mostrar a inserção do candomblé e seus adeptos na vida da Salvador contemporânea.
Desde 2001, Pola, que conta três décadas de trajetória, está às voltas com a produção, cujas filmagens têm largada no próximo dia 11. O cineasta conta que vai aproveitar a lua cheia da data para gravar uma cena, já que até o final do cronograma de filmagens, previsto para o dia 30 de agosto, só terá mais uma oportunidade. "Estou com o foguete nos pés", brinca Pola, que falou ao Folha, por telefone, de São Paulo, onde acertava detalhes da finalização do longa.
Entre 12 e 15 de julho, Pola tentará filmar durante a II
Conferência de Intelectuais da África e da Diáspora, que trará a Salvador personalidades como Desmon Tutu, Nelson Mandela e Kofi Annan. Um dos personagens da história, Jairo (Sérgio Guedes) é um influente intelectual negro. Ele é um dos interlocutores do protagonista Bonfim, 40 anos, casado e dono de uma carreira promissora num banco da cidade. Filho de uma ialorixá, Bonfim foi iniciado ainda na barriga da mãe e recebeu dela educação na tradição da religião. O personagem será vivido pelo ator, professor da Universidade Estadual de Feira de Santana e pesquisador da cultura negra Antônio Godi.
Com a morte da mãe, Bonfim é convocado nos búzios para assumir a liderança no terreiro, ocupando o posto de sacerdote de Ossain, o orixá das folhas. Caso não cumpra o destino, poderá ter sérias conseqüências. As escolhas, as relações e os conflitos de Bonfim pontuam a narrativa. "Tudo que ele leu, sua vida e interesses o levaram para fora do terreiro", reflete o diretor. Além da mudança radical na vida, Bonfim irá debater-se com questões como o sacrifício de animais, que não concorda, o que o leva a fundar um terreiro de características mais modernas, baseado na magia das folhas.
Neste ponto, diz Pola, a principal inspiração foi a postura do religioso Agenor Miranda (1907-2004), respeitado no jogo dos búzios em todo o país, que defendia a religião sem sacrifícios. "Uso a frase dele de que `o essencial no candomblé são as folhas´. Mas não opino, pois não tenho autoridade para isso", destaca o cineasta. Ele se cercou de pesquisadores e praticantes do candomblé, como os antropólogos Júlio Braga, Vivaldo Costa Lima e Raul Lody (que também prestou consultoria religiosa) e a makota (espécie de conselheira) Valdina Pinto, entre outros. O próprio Pola assina o roteiro.
Mais dedicado ao ensino e à pesquisa do que aos palcos, Antônio Godi foi escolhido há cerca de sete anos. Ele já havia trabalhado com o diretor no média-metragem A lenda do Pai Inácio, em 1987, e, segundo Pola, tem o perfil ideal para o papel. Curioso é que Godi, rastafári há muitos anos, terá de cortar o cabelo para se enquadrar no perfil de funcionário bancário. "Ele aparecerá com o cabelo curto e longo, simbolizando também o preconceito que há na sociedade. A coisa mais difícil é você ver uma pessoa ascender socialmente e manter o cabelo rastafári", cutuca.
O elenco é todo formado por atores baianos. Ao lado de Godi, traz nomes como o veterano Harildo Déda e João Miguel (Cinema, aspirinas e urubus). O primeiro viverá Martiniano, padrinho de Bonfim, professor de iorubá e muito respeitado na comunidade; o segundo interpretará Castro, ecologista e naturalista, que tem um caso com Bonfim. Outro destaque do elenco, cuja preparação está a cargo do diretor Márcio Meirelles, é a participação dos atores do Bando de Teatro do Olodum. O filme terá direção musical e composições do conceituado paulista José Miguel Wisnik e fotografia de Antonio Luiz Mendes.
A origem de tudo
A história do filme Jardim das folhas sagradas já tem cerca de 15 anos. Pola Ribeiro conta que a origem do projeto está em um convite recebido pelo secretário executivo do Ministério da Cultura, Juca Ferreira, à época secretário do meio ambiente de Salvador, para fazer um documentário sobre a relação do candomblé com a ecologia. A base seria um texto do escritor Antonio Risério sobre o assunto. "Foi quando tomei conhecimento dessa intimidade que a religião tem com a natureza, as folhas, as árvores e as águas. É uma realidade complexa e fascinante, que pode ensinar muito à cidade", afirma Pola.
O trabalho não ficou pronto, mas a idéia ganhou corpo, dando origem ao longa-metragem. O projeto começou a se concretizar em 2002, quando Pola ganhou uma bolsa para aperfeiçoamento de roteiro da Fundação Vitae. As entrevistas realizadas com especialistas, pais e mães-de-santo vão resultar num documentário, que deverá ser lançado antes do filme. "Pude me aprofundar. Quanto mais eu ouvia, menos eu sabia", reflete. Os outros patrocinadores são Petrobras (R$600 mil, via Lei Rouanet), BNDES (R$800 mil, Lei do Audiovisual) e Chesf (R$470 mil, via Fazcultura).
Com isso, afirma Pola, conseguiu fechar 50% do orçamento, que cobrirá toda a filmagem e edição. Para a reta final, ainda está captando recursos, numa associação de sua produtora, a Studio Brasil, com um pool de pequenas empresas, todas locais: Conta Habil (contabilidade), Conspiradoria (administração de projetos) e as produtoras cinematográficas DocDoma e Araçá Azul. As parcerias, garante, lhe dão uma tranqüilidade para trabalhar e a certeza de que não vai interromper o projeto.
A produção também está definindo a melhor forma de finalização do longa, se será da maneira tradicional, em 35mm, ou digital. Mais cara, a intermediação digital, explica Pola, permite mais formas de intervenção, ao mesmo tempo em que preserva o negativo. "Estamos pensando em todas as etapas, fazendo o orçamento já incluindo trailer e making of. Queremos que o filme seja visto", diz.
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