Caetano Veloso no Tim Festival 2006

9 entre 10 shows do Caetano fazem chorar. Estamos vivos *

Era o fim do show do Caetano no Tim Festival. Pois é, a música que encerrou foi Nine out of ten, do disco Transa, de 1972, num bis de sonho que teve ainda You dont know me (do mesmo disco) e Como dois e dois, que o baiano compôs para Roberto Carlos gravar em 1971, além da citação a Mora na filosofia, canção de Monsueto gravada também em Transa. 4 e algo da manhã, esses versos aí de cima eram retrato fiel da 1h15 que Caetano passou no palco. Não, eu não sentia a música batendo tanto assim na minha barriga - ainda mais se compararmos com as massagens dos graves que vieram antes, de Daft Punk a Beastie Boys, passando por Bonde do Rolê. A despeito disso, a apresentação fazia a platéia se sentir viva. Mais que isso, mostrava um artista de 64 anos, consciente de que vai morrer um dia, como diz a letra, mas por isso mesmo capaz de repetir sem medo: eu estou vivo.
Caetano está vivo muito vivo. O CD Cê no qual se baseou todo o show, com exceção do bis - comprova isso. E o faz de forma crua, direta e forte, feliz e mau como um pau duro (verso de Outro, canção que abriu o show).
Como o CD, a apresentação foi corajosa. O artista saiu do terreno onde estava bem fundamentado (enterrando-se?), uma certa elegância que de Circuladô vivo a A foreign sound vem firmando um padrão Caetano de qualidade e bom gosto. Ele preferiu - com sua habilidade de se aproximar de jovens talentosos e nesse movimento fortalecer seu trabalho (vou sugando o sangue dos meninos e das meninas que eu encontro) colar em Pedro Sá (guitarra), Marcelo Callado (bateria) e Ricardo Dias Gomes (baixo). O resultado, que está no disco, foi escancarado no palco do TIM.
Econômico nos gestos e nas palavras - pouco mais que alguns "muitíssimo obrigado" - com a platéia (jovem e atenta), Caetano tocou as 12 músicas de Cê, direto. Ele e os três músicos no palco, como está no CD. Pedro Sá domina e faz uso do vocabulário tropicalista de Lanny Gordin e mesmo do Novo Baiano Pepeu. Mas o mais importante é que vai além disso dialogando com dezenas de outros caras de sua geração, com o som do século 21. Callado é dono de uma técnica leve e alegre. Ricardo faz linhas de baixo científicas, surpreendentes. Caetano canta e segura a harmonia base no violão, em torno do qual todos giram.

Flashes
Em Minhas lágrimas, a guitarra chora quase como um bandolim; O outro ensaia um ska que é resolvido desfazendo-se de forma inesperada e natural; o groove sobre os versos de Porquê?, de divisão instigante, ficam ainda mais fortes pelo sotaque de Portugal com que Caetano canta os versos; de alguma forma, o arranjo de Não me arrependo é inglês chique e goiano cafona.
A contemporaneidade do trio de músicos é gritante. Pouco do que sai daqueles instrumentos tem a ver com a tradição da MPB ou o que o valha. A forma como Caetano, vivo, se joga no diálogo com eles (ao compor e ao apresentar as canções) só evidencia e engrandece a sonoridade. Sonoridade dos quatro, uma banda, como Caetano faz questão de ressaltar a cada vez que sinaliza com as mãos dividindo os aplausos com seus colegas de palco (veja no vídeo abaixo, gravado por Antonio Carlos Miguel).
Pelo que se viu no encerramento do TIM Festival, a turnê de Cê - com as músicas do CD, canções dos anos 70 e (será?) possíveis covers de rock - promete ser de arrepiar. A provocação repleta de sentidos do novo repertório ao lado de momentos como o desta madrugada, com Caetano voltando para o bis depois da insistência do público ("Para vocês está tarde", brincou), a banda soltando a introdução e a platéia entrando junto com o cantor no primeiro verso de You dont know me... Vai ser bonito.

* "Nine out of ten movie stars make me cry/ I'm alive" ("Nine out of ten", Caetano Veloso)


Fonte : CarnAxE - outubro 2006


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