O Blog das Ruas entrevistou o presidente do Olodum, João Jorge Rodrigues, que sempre se refere ao megaídolo apenas pelo seu primeiro nome, “Michael”. Veja abaixo a íntegra da entrevista:
O que representou o encontro do Olodum com Michael Jackson?
O encontro do Olodum com Michael Jackson representou uma aliança com um astro pop internacional que dificilmente, nos próximos 20 anos, algum artista brasileiro vai ter chance de ter tocado junto, em igualdade de condições.
Igualdade de condições?
Nós somos atores principais no clipe com ele, em que ele não precisou de orquestra, de acompanhamento harmônico, a base de harmonia foi feita pela orquestra do Olodum.
Foi bom para o samba-reggae, muito bom, porque associou o samba, o reggae, o samba-reggae com alguém da música pop internacional e foi bom para Michael porque deu a ele um traço afro-brasileiro, afro-americano, deu a ele uma negritude que ele estava muito precisando naquele momento.
Um traço negro que ele parecia estar perdendo, deixando de lado?
Exatamente. Aquele clipe mostrou ele com uma tribo de africanos, fora da África, nas Américas, fazendo uma música do mesmo tipo da música que ele faz, com a mesma pulsação, mesma batida.
Isso é que é interessante: qual é a batida da música de Michael?
Uma batida do break, da música negra. Ele era um cara da música negra, foi da música negra, e fez sucesso no mundo pop com sua música e sua dança negra.
Break e samba-reggae: raízes comuns na música afro
Então no Olodum ele encontrou em Bira Jackson, em todos os músicos que estavam tocando e dançando alguém parecido com ele sem nenhum ensaio. Nos clipes anteriores, havia muitos ensaios de 15, 20 dias para que os dançarinos pegassem o sentido da música que ele queria dar. Com o Olodum, foi o ensaio de um dia e gravação ao mesmo tempo. E ao mesmo tempo música, luz, cor, cabelos diferentes, tranças diferentes, uma africanidade latente que resultou no final com ele bastante emocionado.
Então houve uma conexão emocional entre Michael Jackson e o Olodum?
Como a gente tem um som de tambores muito ligado à religiosidade, à cultura africana, à matriz da África para o mundo, provavelmente ali ele se encontrou com uma outra forma de mãe, a mãe africana. Então essa mãe africana do Olodum deu para Michael Jackson mais uma sobrevida, deu mais um tempo dele aqui conosco e, ao mesmo tempo, deu a ele mais um outro tipo de entendimento. Não de pele, mais um entendimento de cabeça, de espírito, de alma…
Uma outra negritude?
Uma outra negritude. Que é a negritude do Olodum, a negritude brasileira mais bacana que tem, modéstia à parte. Por que? Porque é plural, diversificada, é capaz de dar gestos como esse [o videoclipe]. Isso levou a Bahia para o mundo inteiro, levou o Pelourinho para o mundo inteiro, baixou o público dos shows do Olodum na Europa, que era de 26, 30 anos, foi para 14, 16. Nos aproximou do público jovem, levou uma marca brasileira, um colorido brasileiro para quase cinco bilhões de pessoas, porque ele passou em todos os canais do mundo.
Agora com a morte, Michael deixa uma herança para o Olodum, um outro tesouro: o Olodum é um dos herdeiros musicais da obra de Michael.
E o que que o grupo sentiu, qual a emoção que passou pelo grupo todo do Olodum quando ele faleceu?
É uma perda irreparável. Pessoas como Bob Marley, Elvis Presley, Frank Sinatra, quando desaparecem, fica a música para sempre. Mas sempre fica a ausência da pessoa que cantava, que fazia. O Tim Maia, a Elis Regina, Miriam Makeba, agora da África do Sul, recentemente. Você tem na realidade um sentimento de dor, mas ao mesmo tempo aquela música, que foi o que ficou, vai lhe alimentar para outra interpretação, para outra leitura.
Como assim uma outra interpretação?
Provavelmente, daqui a três anos, todos nós vamos estar pensando em Michael de uma forma diferente. Muito mais na música dele, na obra artística, nos gestos que ele fez, na simbologia que ele criou - digo isso levando em conta que aqui o próprio Olodum é um criador de simbologias: símbolo da paz com as cores do panafricanismo, um bairro inteiro que a gente ajudou a mudar, né? Talvez o Pelourinho seja o Harlem da Bahia. Talvez seja o Brooklin da Bahia.
Por coincidência, na primeira turnê nossa americana, nós tocamos no Apollo. O Apollo foi o lugar onde Michael fez seu primeiro grande show. Nosso primeiro grande show nos Estados Unidos, fora o show com Paul Simon no Central Park, foi no Apollo. Chegamos nos Estados Unidos e fomos tocar direto no Apollo. Quer dizer, estamos seguindo um pouco o Caminho da Música. Digo sempre que existe o Caminho das Índias, o Caminho da África, o Caminho da Música. Onde há algo da música, o Olodum está indo atrás.
"Talvez o Pelourinho seja o Harlem da Bahia".
Essa Homenagem hoje [ontem 07.07] tem a ver com o momento e a reflexão que ele exige. Nós vamos orar nas nossas diversas religiosidades para que Michael descanse em paz o seu espírito e, ao mesmo tempo, devolva, em forma de estrelas, mais elementos na terra para que surjam milhões de Michaels na Tanzânia, no Quênia, no Vietnã, no Camboja…
No Brasil?
Inclusive no Brasil. Nos guetos negros de todo o mundo. Porque isso que é bacana: é da pobreza, da desigualdade que surge algo fenomenal, que faz o mundo todo se curvar desse jeito.
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- Homenagens do Olodum a Michael Jackson
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