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IMPACTO NO CORAÇÃO DO NEGRO


Na década de 60, desenvolveram-se as duas grandes perspectivas de ação dos movimentos negros norte-americanos: a integracionista e o nacionalismo negro. No primeiro caso, sob o prisma da luta pelos direitos civis, o movimento tornou-se a mais bem-sucedida aplicação da desobediência civil na história norte-americana. Quebrando as leis que mantinham a segregação ou proibiam manifestações, os negros empreenderam um tipo especial de disciplina. Isto parecia essencial para as lideranças dos direitos civis: demonstrações pasmadas na não-violência, aceitação das conseqüências legais dos seus atos e direcionamento do protesto contra as gritantes injustiças e segregação racial imperantes na América.
Guiado por Martin Luther King e outros líderes, o movimento pelos direitos civis adotava táticas de militância para atingir suas metas: igualdade de acesso a lugares públicos, o direito ao voto e igual oportunidade de empregos, educação e habitação. Contrapondo ao ódio o amor, à força bruta a razão, a teoria da não-violência, segundo os seus adeptos, converteria mesmo o mais duro dos corações dos segregacionistas.
Mas, nos inícios dos anos 60, tornou-se evidente que o coração de muitos brancos sulistas era de pedra e que o protesto não-violento deveria servir a outros propósitos: provocar uma série de crises e mobilizar a opinião branca da nação em torno da legislação dos direitos civis. E isto deveria ser feito através da criação de uma nova base organizacional na comunidade negra e também através da repercussão adquirida na mídia, nas igrejas e nos tribunais. A luta pelos direitos civis coincidiu com a emergência da televisão como a principal fonte de informação para os americanos e dela o movimento muito se aproveitou. Contrapondo orações, não-violência e fraternidade à profanação, violência policial e discriminação, o receituário do movimento ganhou a cobertura da mídia. E assim, a par das características positivas do movimento, a televisão também mostrou os abusos que os negros sofriam no Sul, a brutalidade e as miseráveis condições de vida.
Enfim, a televisão ajudou a legitimar a causa dos direitos civis conformando um consenso nacional em torno dele. Muitas instituições, incluindo sindicatos e grupos civis, ajudaram a construir este consenso, porém nenhuma delas foi mais importante que as igrejas. Padres, freiras, ministros e rabinos, após reconhecerem sua omissão e demora em relação à questão racial, marcharam juntos em muitas demonstrações dos direitos civis, ajudando, inclusive, com sua presença, a evitar a violência.
Entretanto, o suporte fundamental para o movimento veio da Suprema Corte. O seu papel foi vital em proteger os direitos dos manifestantes diante das leis retrógradas vigentes no Sul americano.
Em 1963, essas três linhas de atuação convergiam e se reforçavam: 14 de janeiro – Mais de 650 delegados de organizações religiosas, representando católicos, protestantes e judeus, organizaram uma reunião em Chicago para discutir formas de contribuir para a justiça racial. Os delegados chegaram à conclusão que “o racismo é o nosso mais sério demônio doméstico. Nós devemos erradicá-lo com toda diligência e rapidez”; 21 de maio – A Suprema Corte declarou-se contrária a uma lei de Greenville, Carolina do Sul, que ordenava a segregação nos restaurantes; 2 de setembro – A NBC, grande rede de televisão norte-americana, apresentou um documentário de três horas Revolução Americana, 1963, dedicado ao movimento dos direitos civis.

Mas o mais auspicioso em 1963 foi a mudança de postura governamental: a administração Kennedy, após dois anos de total hibernação, assumia posições favoráveis ao movimento. Porém, somente em 1964 o Congresso votou a Lei dos Direitos Civis e das Oportunidades Econômicas, que eliminava a segregação em hotéis, restaurantes, teatros, escolas, bibliotecas, museus, hospitais, enfim, em todos os locais públicos. E também proibia a discriminação no emprego nas empresas com mais de 100 empregados e, em três anos, tal proibição se estenderia a todos os pequenos empreendimentos.
Entretanto, a lei não foi efetiva no que tange ao direito ao voto. Após a militância pelo voto em Selma, Alabama, com grandes manifestações, onde um em cada três negros da cidade foi aprisionado, o presidente Johnson, cinco meses depois, assinou a Lei do Direito ao Voto, de 1965. Assinando tal lei, o presidente Johnson, com otimismo exagerado, declarou que “hoje a história do negro e a história da América se fundem e mistura”. Entretanto, muitos negros já começavam a questionar a integração como última meta e, muitos mais, diante da opressão e brutalidade dos racistas brancos, a duvidar da política de não-violência.
A atenção voltava-se então para as condições de vida do negro do Norte e a desatenção a suas demandas. Ecoou por vários dias, em 1964, a violência no Harlem, Rochester, Chicago e Filadélfia, como um prelúdio para a mais sangrenta demonstração de desespero nos tumultos de Watts, Los Angels, em 1965, onde morreram 33 negros. Não se pode deixar de estabelecer a relação entre os tumultos e o florescimento do nacionalismo negro. Durante a Guerra do Vietnã e como o resultado desta guerra começa a ganhar corpo a crença no separatismo e nacionalismo. De várias formas, o governo encorajava tendências políticas voltadas para a auto-identificação racial, adotando políticas, especialmente na área educacional, que enfatizavam o grupo em vez dos traços individuais.

Assim, o nacionalismo negro, profundamente enraizado na comunidade negra, ganhou a atenção pública notadamente através dos esforços de Malcom X. Antes do seu assassinato em fevereiro de 1965, ele conseguiu atrair um exército de seguidores.
Malcom pregava uma ortodoxa mensagem de total divisão: os Estados Unidos, como compensação por ter escravizado os negros, deveriam financiar sua repatriação para a África ou alternativamente deveriam estabelecer um território à parte no Ocidente, onde as duas raças deveriam viver separadas, desde quando não poderiam, segundo sua perspectiva, pacificamente viver juntas. Após o seu rompimento com o Islã em 1964, não cessou de evidenciar a importância do controle negro sobre as instituições comunitárias e políticas.
Após 1966, com o grito de Black Power de Stokely Carmichael, a tendência nacionalista espraiou-se pelos guetos negros. Ele clamava pela retaliação ao invés da não-violência; autonomia ao invés de alianças com os brancos liberais; liberação ao invés de integração e o avanço da consciência racial ao invés de sua erradicação. Advogava a mobilização dos eleitores para eleger candidatos negros, o desenvolvimento auto-suficiente de empresas negras e a criação de comunidades negras controlando as escolas e as organizações culturais.

Não menos que Malcom X, Carmichael desejava dissolver os laços dos negros com a sociedade branca, que era, no seu entendimento, racista, materialista e desumana. O Manifesto Negro, de James Forman, foi um prolongamento de tais idéias. Com todos os equívocos que porventura o seu radicalismo tenha produzido, como por exemplo em relação à religião e aos judeus, assim como haver proporcionado poucas mudanças nas instituições econômicas, não se pode deixar de destacar que o nacionalismo negro provocou um grande impacto nas massas negras e no coração do racismo norte-americano.
O avanço atingido pelos negros norte-americanos entre 1950 e 1980, do ponto de visita dos direitos políticos e sua participação sem precedentes no crescimento econômico do país, são inegavelmente um corolário das duas tendências de ação. Sem o equilíbrio dos integracionistas e sem a radicalidade do nacionalismo negro, jamais teria sido modificada a questão racial na sociedade norte-americana.

Texto : Jefferson Bacelar



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