CARTA AO VELHO BAIANO
Qual é, baiano?
Tem um bocado de tempo que nao te escrevo. Desculpe a demora. Talvez a falta de coragem ou nao sei mais como dizer. Te escrevo da terra dos Homens Mortos (França). Desculpe minha maneira de escrever, mas eu sou assim. Voce sempre reclamou, mas minha maquina de escrever e um computer que nao tem os acentos nem as cedilhas e eu comeco a esquecer a lingua da gente.
Primeiro as noticias de casa. Fui na cidade da Bahia e vi alguns companheiros de sempre. Vi o Rio Vermelho, terra de locacao de O Forte, vi Ondina, o Campo Santo... Tudo isso ainda sente o gosto de voce, Velho Baiano. Teus amigos, alguns mortos, outros loucos, mais os que estao sao. Nessa terra que, de uma maneira ou outra, voce contribuiu para fazer. É como o verbo. Ultima analise do existencialismo. Como fosse a falta do corpo e da alma.
Bem, Velho Bahiano, os teus neinhos e neinha cresceram e sao lindos. Os raios de sol sao imediatos e longe do dia em que voce cavalgou teu barco, deixando em mim o gosto amargo dos mares sem cais. Me confinando à uma eterna deriva, num oceano escuro, em busca de uma praia verde onde assumi minha navegacao de cabotagem.
Mandei umas sandalias que comprei no Pelourinho (que mudou muito) para voce. Espero que recebas logo, mas sei que o correio nos faz tantas, que quase nao adianta tentar.
Mas nao é por isso que te escrevo. Nos somos nos e o resto nao é realidade. Te escrevo, pois depois que voce saiu, a tua agencia de viagem nos contactou para muitos eventos. Praças, ruas e avenidas, cineclubes, museus e o diabo a quatro. Como sempre a resposta foi sempre a mesma: NADA QUE NAO PUDESSE SER NOS.
Mas depois de um certo tempo, nao sei se voce conhece, uma menina chamada Angela Jose, botou na cabeca de sonhar com cinema brasileiro.
– Sim. Nao leia o que eu nao disse. Nao é louca. Sim .. Ô Velho Baiano, claro que é linda. Os olhos verdes de sussuarana. Voce é incorrigivel! Eu sei, nao vou te contradizer, mas eu queria somente te falar um pouco dela e de seu trabalho.
Pois é! Antes de ir pra Terra dos Mortos, encontrei Angela Jose, que me falou vagamente, pois nao poderia ouvir nada que nao vagamente, sobre uma sessao no Cineclube do Parque Lage no Rio, onde voce expos o Manha Cinzenta e etc. Me falou de um projeto de um filme sobre voce e fui embora. Vi alguns amigos e terminei por mandar uma carta à Angela, tem mais ou menos 13 anos. Recebi depois um video intitulado O Cineasta do Sertao, um negocio bonito, cheio de ternura e respeito. Nao sei se voce conheceu Angela, mas ela conhece voce. Nesse video, surpresa agradavel, trilha sonora do Ilya, texto meu e narracao do Irving com um participacao da Pilar.
Ja vi tantos ensaios biograficos, mas esse vale a pena de Sthepan Swaig. Sem lirismos exarcebados ou outras caixinhas de camelô. Não. La esta o Velho Baiano de sempre. Traduzido e interpretado pelos ramificados de voce mesmo. E é por isso que te conto. No filme tem tudo. Mainha, (Dona Zali, que vi nao tem muito tempo, e esta linda como tudo, flor de mandacaru nos seu oitenta e tantos anos), os meninos... E todo o mundo gira e se curva pra poder dizer onde é o por-do-sol chamado voce.
Mas o melhor nao é isso. É tambem um gosto, quase deleterio, que essa criatura tem de descascar o tempo pra mostrar a fruta verde do suco local: Luis Paulino, Tuna, “Siri”, o diabo.
Toda uma epoca de sonho que voce me permitiu sonhar contigo, onde os valores nao cabiam somente na fome e no sexo. Onde o ideal traduzido por Glauber, uma ideia na cabeca e uma camera na mao, eram o pao cotidiano da familia do Velho Baiano.
Esse respeito e fidelidade, sem contar o trabalho de formiga pra poder recuperar o material que voce nao arrumou quando partiu em viagem.
Agora essa ninha chega com um livro.
- Espera, insistente sim, mas calma nego vei; Sim bicho, um livro maravilhoso. Chamado Olney Sao Paulo e a Peleja do Cinema Sertanejo. Li e reli (...), falei com Angela quando estava na Bahia, rapidamente. Onde tinha do lirismo, tinha da realidade. Nas primeiras 40 páginas, na Cidade Luz, em plena Terra dos Mortos, a realidade so era desespero, pois onde voce faltou... ela estava.
Enquanto eu descarregava as latas de filme da brasilia, ela estava lendo e pesquisando os arquivos sobre uma epoca do cinema brasileiro. É um livro sobre voce. Claro. Evidente. Mas, na verdade, esse livro esclarece uma época, um sonho onde voce nao esta so. E a bichinha deixa claro em seu livro. É a unica homenagem a voce a que me permito ir. Pois o trabalho é claro, bonito, consistente e sobretudo integro. Combina muito com tuas sandalias.
So devo te dizer, é pena que nunca tive tempo de ler teus cadernos. Li agora. encontrei-os no trabalho terrivel dessa menina Angela.
Ah, Lembra do cinema na praca Castro Alves? Doze anos atras, com um de teus neinhos, fotografei teu rosto pintado em tres vezes no meio de Glauber, Tuna, Guido e outros que nao recupero da minha memoria, em frente ao forte Sao Marcelo. Quando cheguei na cidade da Bahia, depois de tanto tempo, ao lado de tua neinha, meu ensejo de pai querendo mostrar teu rosto, foi frustrado pela pintura terra ocre que cobria o ex-cinema Glauber Rocha. Gritei: ABSURDO! Cobri o rosto na falha de meu desterro, pois la em frente ao Forte, que Adonias Filho e voce destruiram para que esteja sempre la, teu rosto faltava na atmosfera da Praca Castro Alves.
Et Voilà q’ arrive cette damme. E a cidade da Bahia acolhe seu livro. Lindo de cor e cheio de respeito por uma epoca que ninguem vivera.
Velho baiano, espero que voce receba tuas sandalias.
Teu amigo de sempre, que te espera olhando pela janela do Santo Antonio, à chegada do barco onde voce encontrara tuas ruas.
Te amo.
Deputado baiano ou mala de mão
Texto : Olney São Paulo Jr
Carta se manteve original sem acentuação