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SALVADOR, ROMA NEGRA

Chamada de Roma Negra, Salvador é festejada como a cidade com maior população de pele escura fora da África. E a capital baiana respira essa identificação nas artes, na música, na moda e na sustentação econômica. Afinal o turismo também se apóia nisso, bem como no discurso político, independentemente da cor partidária. Mas há também no imaginário coletivo nacional uma África devastada por fome, guerras internas e epidemias como a da Aids.

Mas será que tudo se resume a essas duas imagens? Um primeiro indício de como há outras Áfricas: uma das famosas novelas brasileiras com maior sucesso de público nos últimos anos foi a chamada "O Clone", ambientada no Marrocos. Em horário nobre, brasileiros de todos os cantos acompanharam as aventuras de uma família muçulmana, da qual fazia parte a protagonista Jade, vivida pela atriz Giovana Antonelli. Entre belas mulheres executando a dança do ventre e mocinho e mocinha vivendo cenas de amor em meio a dunas pouca gente se deu conta, mas a terra em questão está na África. Ampliando a observação, depara-se com um continente de muitas vertentes, de povos diversos com costumes e religiões diferenciadas, convivendo num mesmo espaço geográfico. De grupos que estão tão distantes em cultura e história, mas próximos em fronteiras que são cicatrizes do colonialismo extinto apenas na década de 60 do século XX.

O doutor em história da África e professor da graduação e pós-graduação do Departamento de História da Ufba, Valdemir Zamparoni, diz que há um desconhecimento geral quando o assunto é a África que foge ao estereótipo. "Não é raro ouvir-se dizer que o artista tal estava fazendo um tour que incluía Londres, Paris, Berlim, Lisboa e a África. O continente fica reduzido a uma cidade, nem mesmo a um país. O termo África passa, neste discurso, a servir para referenciar um lugar homogêneo. Uma homogeneização que reduz todo o continente, suas múltiplas culturas e povos a um "tipo africano". Processa uma homogeneização desumanizadora", explica Zamparoni.

UNIVERSO NO DEDAL
No século XVII, o tráfico de escravos se intensificou. Com ele os africanos que eram capturados para o trabalho forçado ganhavam a aura de "coisas", inclusive sendo chamados de peça. Estes homens e mulheres arrancados de seu lugar de origem e forçados a viver em um mundo completamente estranho e em condições adversas deixava para trás sua referência física, espacial, cultural o que lhes trouxe o desafio de reconstruir sua identidade. Mas aos olhos de quem estava no comando eles eram um grupo homogêneo.


"Isso se acentuou com o fim do tráfico: aos poucos, as diferenças culturais de origem foram se amalgamando no universo mais amplo de crioulos, como eram chamados os negros nascidos na terra", relata Zamparoni. No século XIX, esse processo de desumanização entra em seu momento mais crítico, devido ao alastramento da noção de raça como parâmetro de definição da humanidade. O conceito de raças coloca cada indivíduo como portador das características específicas apontadas para o seu grupo racial.

TEXTO : Cleidiana Ramos
Continente desafia o futuro - aTarde 20 de Novembro de 2004.



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