2013 - DEZEMBRO
Riachão, a lenda viva do samba baiano - Fenômeno do samba, Riachão recupera parte de seu acervo
No fim da década de 1950, uma baleia parou Salvador. O bichão embalsamado foi colocado numa carreta para exibição pública. A iniciativa partiu de empresários norte-americanos, que cobravam ingresso para ver Moby Dick. Acompanhado de dois amigos, Clementino Rodrigues preparava-se para um gole de cachaça, quando atentou para o movimento. Feito o “perguntado”, veio o estranhamento. “Baleia aqui na Praça da Sé, se o mar está lá embaixo?” Sem querer gastar o sagrado dinheiro reservado à branquinha, foi falar com o policial que controlava a entrada. “Meu grande amigo, muito boa tarde. Não leve a mal não, somos da imprensa e queríamos permissão para ver a baleia. ‘Oh, pois não’, disse, e liberou a passagem. Quando comecei a olhar para aquela baleia enorme, Jesus mandou a música.”
Clementino Rodrigues é Riachão, lenda viva do samba baiano, menino buliçoso hospedado no corpo de um homem de 92 anos que transborda vivacidade e fé na vida. “Sou feliz da hora que acordo, como está no samba minha vida é alegria,/ à tristeza não dou bola,/ se surgir algum problema,/ com o samba resolvo na hora, diz, ou melhor, canta. A memória de Riachão é musical. A quase tudo responde cantando. É assim com o caso da baleia. Ele recorda com clareza o episódio ocorrido em 1959 e de seus arquivos mentais saca a canção completa (Baleia da Sé), tremendo sucesso que fascinou especialmente as crianças, deslumbradas com o gigante marinho e embaladas pelo refrão: Eu vi o caminhão da baleia/ eu vi o cabeção da baleia/ eu vi o barrigão da baleia/eu vi o umbigão da baleia/ só não vi uma coisa – diz! – da baleia.
Depois do drible de mestre no segurança foi a vez de dar volta no gringo. “Eu ali, pequeninho, perto do americano alto. Toquei nele e disse, ‘ó, samba em homenagem à baleia’. Ele falava um pouco de brasileiro e ficou encantado, queria gravar. Pedi 5 mil-réis, era um bom dinheiro. Comprei quatro acetatos, três ficaram com ele, que usou a música para fazer publicidade.”
A gravação foi feita por um amigo da Rádio Sociedade da Bahia, onde Riachão se apresentou durante as décadas de 1930 e 1940, sempre com repertório próprio. Foi ali que desapareceram muitas de suas músicas. “Teve um incêndio na rádio e tudo o que eu havia copiado estava num rolo que virou pó. Quem dera eu pudesse lembrar todas elas”, lamenta. O compositor e intérprete contabiliza 500 composições, uma avalanche de criatividade que começou a se manifestar aos 14 anos.
“Eu ia passando no bairro da Misericórdia para comprar material para a alfaiataria Spinelli, onde comecei a trabalhar aos 12 anos, quando vi no chão um pedaço de revista. Não tive escola, como digo no samba (Menino de Rua), mas Jesus fez eu ler. Estava escrito ‘se o Rio não escrever, a Bahia não canta’. Fiquei com aquilo no juízo. Contando parece mentira. Na manhã seguinte Jesus mandou minha primeira música (eu sei que sou malandro sei,/ conheço o meu proceder,/ deixa o dia raiar,/ a nossa turma é boa, é boa somente para batucar). A partir dessa nunca mais faltou música. Vem tudo junto no pensamento e aí faço força pra ficar na mente.”
Riachão se define como um malandro da velha-guarda. Para honrar a categoria, apresenta-se de terno e sapatos brancos, anéis coloridos, correntes e pulseiras, lencinho no bolso do paletó a combinar com a camisa e o chapéu. No pescoço, uma onipresente toalhinha, resquício dos tempos de capoeirista, arte praticada pelo pai, também “sambador e carroceiro”. “A malandragem é uma coisa, a vagabundagem é outra”, esclarece. “Malandro trabalha, vive cantando pra levar alegria, só coisa boa. O vagabundo, como se sabe, é traiçoeiro e aí por diante.”
Alegre, farrista, orgulha-se de sempre ter tido parceiro para tudo, “pra música e pra velório”. Em seu currículo, que incluiu mais de 20 anos como contínuo do Banco de Desenvolvimento da Bahia, onde cantava enquanto distribuía documentos, consta a função de sentinela. “Quem não queria passar a noite no velório me chamava. A gente ficava do lado do morto, tomando cachaça e conversando, inventando histórias. Ia pra casa de manhã e voltava à tarde para o enterro.” Os parentes do finado se encarregavam de comprar vários litros da branquinha. “Bebo desde os 9 anos. Não tenho o que falar da cachaça, nunca passei mal. Parei faz seis anos, mas sinto falta.”
Clementino virou Riachão por obra e graça dele mesmo. “Minha família é de Santo Amaro da Purificação e naquele tempo a palavra riachão era para os homens que brigavam muito.” Nascido no Bairro do Garcia, reduto do samba de rua, onde vive até hoje, mantém interação simbiótica com o ritmo que venera e associa à suprema divindade: “O samba é Deus, é alegria. Nasci com o samba no pé, no duro da cebola.”
Para ele não existe controvérsia: o samba nasceu na Bahia e deve ser tratado com mais cuidado e carinho. “Agora está melhor, a turma está sambando mais, mas ainda falta um pouquinho de amor. Hoje o samba é diferente, o acompanhamento é outro. O jovem não tem o mesmo sentimento, mas cada macaco no seu galho”, diz e remete a um de seus grandes sucessos, Chô Chuá, que ganhou popularidade na voz de Gilberto Gil e Caetano Veloso no disco Expresso 2222.
Conforme consta da cartilha, malandro que é malandro tem o lado romântico aflorado. “Se não fosse Deus e a mulher eu não estava aqui, por isso dou valor e sempre enalteço a mulher.” Paquerador, certa vez Riachão deixou os amigos falando sozinhos para acompanhar com solenidade a malemolência de uma baianinha que cruzou seu caminho. “Estava com os malandros, cada um contando suas histórias. De repente vi uma gatinha que vinha da Praça Municipal. Quando ela foi passando eu disse ‘peraí, não fale comigo agora’. Eles tomaram um susto. Fiquei olhando. Depois que ela sumiu voltei pra conversa. E aí Jesus mandou o samba.”
As duas grandes paixões de Riachão foram Lalinha, com quem teve oito filhos, e Dalvinha, quatro. Para homenagear as mulheres de forma geral criou a organização Humanenochum (nome de seu segundo CD, lançado em 2001), uma das muitas palavras brotadas de seu imaginário fecundo. Ao se perguntar o que quer dizer, faz mistério. “É uma brincadeira masculinástica.”
Com uma produção caudalosa, é de estranhar que o artista tenha apenas dois CDs gravados (o primeiro é Sonho de Malandro, de 1981). Esse jejum acaba de ser quebrado. Graças à iniciativa e ao empenho da cantora e produtora baiana Vânia Abreu, Riachão lança Mundão de Ouro. Num trabalho amoroso e paciente, o sobrinho do músico, Jacson Paim, acompanhou-o três vezes à produtora Comando S Discos, em São Paulo. O método de “extração” consistiu em colocar Riachão no estúdio e puxar conversa. À medida que os assuntos surgiam, as músicas brotavam. “O grande projeto é registrar a obra. Quando chegou aqui, ele tinha 33 músicas editadas, chegamos a 71. É um acervo que estava na cabeça dele e será registrado”, diz o produtor Serginho Rezende.
Mundão de Ouro traz dez canções inéditas, mais Chô Chuá e Vá Morar com o Diabo, contagiante samba jocoso que ganhou versão de Cássia Eller em 2001 (Acústico MTV). Esta é justamente a música que o autor menos gosta. “Jamais mandaria mulher nenhuma para o Diabo.” Como em quase todas as suas composições, surgiu de conversa com um amigo, danado da vida com a preguiça da mulher. Depois de enumerar tudo o que ela não faz, resolve a questão mandando-a “morar com o sete pele”.
O novo disco é um deleite caprichosamente concebido. Os arranjos de Cássio Calazans recuperam o que Vânia descreve como “a sonoridade das ruas da Bahia”. Ao ouvir Mundão de Ouro pela primeira vez, o sambista recorreu diversas vezes à toalhinha de pescoço para enxugar as lágrimas. “Estou felicíssimo com o trabalho desses meninos. Me sinto abençoado.”
(Fonte : GGN por Ana Ferraz - 06/12/2013 - 08:27)
2012 - FEVEREIRO
Orquestras e Riachão marcam terceiro e quarto dias de Carnaval no Pelourinho
Riachão também será o centro das homenagens no palco principal do Centro Histórico, dia 19 de fevereiro, quarto dia da folia momesca em Salvador
Será com um grande “orquestrão” que os maestros Reginaldo de Xangô, Fred Dantas e Letieres Leite farão o show da noite das orquestras que será realizado no Largo do Pelourinho, no dia 18 de fevereiro às 20h, como parte do Carnaval promovido pela Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (SecultBA) e do Centro de Culturas Populares e Identitárias (CCPI). Este ano, o carnaval tem como diferencial a realização de noites temáticas que celebram os estilos musicais que compõem a música popular brasileira.
Durante a apresentação, os maestros farão uma retrospectiva musical com uma diversidade orquestral que promete remeter aos tempos áureos dos antigos carnavais. “Estou preparando um repertório musical com marchinhas, frevos, salsas e diversos ritmos que animaram durante anos os carnavais de clubes como o Português, o Fantoches e o Clube da Cruz Vermelha, onde eram realizados os grandes bailes de carnaval de Salvador”, relembra o maestro Reginaldo de Xangô.
Com um repertório mais atual, o maestro Fred Dantas promete fazer uma apresentação que remeterá ao surgimento do axé e do frevo baiano. “Incluí em meu repertório músicas dos anos 1980 a 1990, mas também tocarei músicas como Colorir Papel, do Jammil, e Circulou, de Magary Lord”, afirma Dantas. “É com um sentimento de pertencimento ao carnaval de rua que participo desse projeto, que nos traz a um ambiente espontâneo como o Pelourinho, grande centro popular de cultura da Bahia”, diz Dantas.
Já Letieres Leite comemora a oportunidade de congratular com outros maestros em um grande palco armado em pleno Carnaval. “Essa é uma ideia sensacional. Esse intercâmbio entre músicos é enriquecedor para todos, sobretudo para nós músicos. É uma grande oportunidade de revivermos os antigos carnavais da Bahia”, comemora Leite.
A partir da sexta-feira, 17 de fevereiro, sempre às 20h30, no Largo do Pelourinho, a cada dia um ritmo diferente ditará o clima da festa, abrindo as apresentações da noite. O Centro Histórico terá Gereba e convidados, num show de Forró em homenagem ao centenário do Rei do Baião (Luiz Gonzaga); uma noite do Samba em homenagem a Riachão, que subirá ao palco ao lado das cantoras Juliana Ribeiro, Clécia Queiroz e Claudete Macedo; uma noite das Orquestras, com apresentações da Orkestra Rumpilezz, Orquestras de Fred Dantas e do Maestro Reginaldo Xangô, além de mais uma noite destinada ao ritmo característico do Pelourinho, a Música Percussiva, num espetáculo que tem a direção musical de Jorge Sacramento e que promove um encontro entre a velha guarda da percussão baiana e jovens instrumentistas. As noites temáticas contarão ainda com uma homenagem ao samba reggae, em um show intitulado de Pastores da Noite, em homenagem a romance homônimo escrito por Jorge Amado. Os cantores Lazzo e Aloísio Menezes representarão os três pastores e a cantora Wil Carvalho a personagem Marialva.
Além destes shows temáticos, diariamente, a partir das 16h, o Carnaval do Pelourinho contará com bailes infantis na Praça das Artes (em parceria com a Prefeitura Municipal de Salvador), desfiles de bandas itinerantes, performances e blocos alternativos.
NOITES TEMÁTICAS – O Centro de Culturas Populares e Identitárias (CCPI) – órgão da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (SecultBA) que busca, através do Programa Pelourinho Cultural, neste carnaval, valorizar a diversidade artística local, prezando pela qualidade da festa. Desta forma, idealizou noites temáticas que fazem reverência a diversos tipos musicais da terra. Todas as noites, o Largo do Pelourinho será palco de shows temáticos e homenagens a mentes criativas como Luiz Gonzaga e Riachão.
(Fonte : SECOM - 15/02/12 | 10H02)
2012 - FEVEREIRO -- ELAS CANTAM RIACHÃO Este ano, a SecultBA, mobilizou três vozes femininas do samba na Bahia, para homenagear um ícone do estilo no estado. Para o espetáculo, Claudete Macedo, Clécia Queiroz e Juliana Azevedo levarão ao palco composições clássicas de Riachão como Retrato da Bahia, Cada Macaco no seu Galho, Baleia e Vá Morar com o Diabo, e ainda outras menos conhecidas comoLavagem do Bonfim e Quando o Galo Cantou. A ideia é apresentar no palco a alegria e vitalidade desse compositor, que no ano passado completou 90 anos de idade, sendo 70 anos dedicados ao samba. Além das canções de Riachão, músicas do repertório das três cantoras serão também incluídas no show. “Sempre fui uma pessoa simples e por isso sempre fui apoiado pelos meus amigos. Devo agradecer a Deus porque a minha vida sempre foi de muita alegria. Fico muito emocionado com essa homenagem. É muito bom ser reconhecido”, diz Riachão.
“Riachão é um ícone, um personagem da música baiana. É um cantor que compõe músicas de todos os estilos. Fazer parte de uma das três gerações de cantoras que vão homenageá-lo é uma honra”, diz Juliana Ribeiro. “Faremos um show mostrando todo o trabalho de construção do samba da Bahia. Com esse espetáculo teremos a oportunidade de devolver a Riachão tudo o que ele nos deu. Essa foi uma ideia genial, uma aposta acertada da Secult”, afirma Juliana.
Para a cantora Clécia Queiroz, essa é uma grande oportunidade de parabenizar Riachão pelos seus 90 anos e de agradecê-lo pelas contribuições à música baiana. “Essa é uma justa homenagem ao homem que não canta somente o samba. O Riachão respira o samba. Desde 2003 que eu faço homenagens a Riachão nos meus shows, mas cantar os sambas dele no Largo do Pelourinho, onde os negros choravam e hoje podem fazer festa, será um momento mais do que especial”, comemora Clécia.
“É sempre um prazer tocar no Pelourinho. É o melhor palco de todos. O Pelourinho é a minha casa. Cantar aqui as músicas do meu amigo Riachão vai ser melhor ainda”, festeja Claudete Macedo.
O show elas cantam riachão será realizado no dia 19 de fevereiro, às 20h, no Largo do Pelourinho.
(Fonte : SECOM - 15/02/12 | 10H02)
2011 - ABRIL
“Bahia de Todos os Sambas” no SESC Pompéia
Dias 7 e 8 deste mês (sexta e sábado próximos, portanto), às 21h, no SESC Pompéia, a Paulicéia Desvairenta vai poder entender na prática um pouquinho o que é isso que lá na Ribeira, no Largo dos Tainheiros, no Acupe de Brotas, na Boca do Rio, se chama de xibietagem. Vai ter côco de embolada, samba-chula, samba-duro na poeira (“que é pra nêga delirá”, como diz Tonho Matéria), samba-de-roda, samba-crônica – toda essa reconvexidade que só o Recôncavo Bahiano (de Bom Jesus dos Pobres ao bairro do Rio Vermelho, passando por Valença e Santo Amaro da Purificação) tem.
Isso pelas mãos do patrono vivo da xibungagem, Riachão!; acompanhado de ninguém menos que a fina flor da segunda e terceira geração dele próprio, Mariene de Castro, Nelson Rufino, Roberto Mendes.
Clementino Rodrigues, no bairro do Garcia, em Salvador, tem um modo especial de compor suas músicas, assim como quem faz uma crônica. São letras irreverentes, com baianas, malandros e capoeiristas atrevidos.
Foi o primeiro compositor baiano a ser gravado no Rio, após Dorival Caymmi, ainda nos anos 50. “Meu patrão”, “Saia rota” e “Judas traidor” foram músicas interpretadas por Jackson do Pandeiro
Nos anos 70, em plena ditadura militar, Riachão teve um samba proibido pela censura. “Barriga vazia” era o nome cuja letra falava de miséria: “Eu de fome vou morrer primeiro/você, de barriga cheia, também vai morrer um dia”.
É uma viagem por uma Bahia miticamente jorge-amadiana, que não existe mais. Entre seus sucessos incluem-se “O samba da Bahia” (1973, com Batatinha e Panela); “Sonho de malandro” (1981); Humanonechum (2000). Não se pode esquecer “Cada macaco no seu galho”, gravada por Caetano e “Vá morar com o diabo”, gravada por Cássia Eller.
(Fonte: Último Baile)
FILME SAMBA RIACHÃO
Samba Riachão é um filme de 2001, dirigido por Jorge Alfredo, que narra a história do sambista conhecido como Riachão, que aparece como cronista, 80 anos, na capital baiana. Constitui-se num relato histórico da MPB.
Sinopse : Aos 80 anos de idade Riachão é o cronista musical da cidade de Salvador, tendo vivenciado todas as transformações pelas quais passou a música popular brasileira e os meios de comunicação no decorrer do século XX. É através das histórias deste cronista que o filme apresenta um relato histórico da MPB.
Título original: Samba Riachão
Lançamento: 2001 (Brasil)
Direção: Jorge Alfredo
Participações: Dorival Caymmi, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Armandinho, Carlinhos Brown, Bule Bule, Daniela Mercury, Tuzé de Abreu, Dona Edith do Prato, Chula de São Brás, Gerônimo, Clarindo Silva, Cid Teixeira e Antonio Risério.
Duração: 86 min
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